Disciplina Positiva e Comunicação Não Violenta com mulheres no Instituto Penal de Caxias do Sul

Há cerca de 2 meses fui convidada para falar sobre Disciplina Positiva e Comunicação Não-Violenta para mulheres que estão cumprindo pena em regime semiaberto e monitoradas com tornozeleiras eletrônicas. Desde o início de 2019, a psicóloga e a assistente social do Instituto Penal de Caxias do Sul começaram esse projeto de grupo terapêutico, com encontros mensais regulares. No dia 27 de março aconteceu o meu encontro com elas.

Quando me conectei para pensar e organizar esse momento, percebi que o mais importante seria primeiro conhecê-las, escutar suas necessidades, criar vínculo e entender um pouco mais da sua realidade.

Então decidi levar algumas “cartas na manga”, mas meu propósito seria ouvir. Foi o que expliquei no início e combinei que falaria se percebesse que tinha algo a contribuir. Também mencionei que poderia retornar num outro dia para continuarmos. Senti um alívio delas quando eu disse que estava lá pra trocarmos e que eu desejava conhecê-las.

Ouvi sobre suas perdas, sobre filhos que foram assassinados. Contaram do horror que é ser presa e deixar filhos pequenos - “espalhados, um em cada canto” e sobre a dor de estar longe deles.
Contaram de suas infâncias e suas lembranças sobre rigidez, medo e punição.

Ouvi um coro sobre a dor da privação de liberdade.
Aliás, na pergunta sobre necessidades - uma dinâmica que utilizo nos encontros de Comunicação Não-Violenta: o que é mais importante? O que você valoriza? Todas saltaram para falar de LIBERDADE em primeiro lugar.

Falaram de preconceito, do medo de não serem aceitas, de que os outros tinham preconceito ao ver sua tornozeleira.
Ao mesmo tempo, sobre ser tratadas com dignidade e humanidade. Ouvi um relato emocionado de uma das mulheres que estava presa, gestante e descobriu um câncer de mama. Sua gratidão e amor pela médica que a atendeu e a tratou como mulher, gestante e doente, com todo zelo e dignidade, e não como uma criminosa, do quanto foi importante sentir isso.

Relataram sobre a violência que sofrem dentro da prisão, no convívio com outras mulheres, desde baldes de água fria ou quente jogados enquanto tomam banho até brigas e confrontos físicos.

Falamos sobre a necessidade de se mostrar mais forte como uma forma de se proteger. Sobre o quanto aquele que machuca já foi também machucado. Sobre o quanto podemos compreender melhor uma pessoa se conhecermos sua história.

Ouvi de todas que percebem que seus erros lhes trouxeram oportunidades de aprender. “O que vem fácil, vai fácil”. Sobre valorizar o que realmente importa. Sobre a chance de refazer suas vidas e não querer mais cometer nenhum crime. Sobre serem exemplos para seus filhos agora. Riram contando que filhos pequenos dizem que vão chamar a polícia quando elas não fazem o que eles querem ou quando se exaltam e gritam.

Perguntei se elas já tinham pensado no porque gritamos, mesmo estando tão perto. Falamos sobre a necessidade de sermos ouvidos, compreendidos.

Falamos sobre as diferentes formas de punição. E a respeito das consequências de punições e recompensas. Imediatamente uma delas contou que, durante uma birra da sua filha de 4 anos, ameaçou ir embora. Relatou que a criança ficou muito insegura e com medo. Então, se deu conta e ficou mal o dia todo. Falei sobre termos consciência ao invés de ficarmos nos culpando e nos maltratando diante dos nossos erros, que podemos transformar.

Falamos sobre o modelo de cérebro na palma da mão, sobre trauma e integração. Ensinei a pausa positiva. Pedi que testassem e me contassem no nosso próximo encontro.

Uma delas contou que chorava todo dia por saudade dos filhos na prisão e que as outras reclamavam e falavam pra parar de chorar. Aí, conversamos sobre a importância de validar sentimentos e poder expressá-los.

Elas contaram sobre abandono e solidão.
Falamos sobre o ciclo autorrealizável entre o que percebemos, interpretamos, a formação de um sistema de crenças e tomarmos uma decisão.

Depois a vivência perguntar x mandar... e uma delas (que diz que se percebe “pavio curto”), falou que ia começar a escrever perguntas num caderninho pra treinar e poder usar com seus filhos, já que tem três pequenos (7, 5 e 3 anos).

Me senti acolhida pelo grupo, fui tratada com respeito e carinho. Pareciam ávidas por contar suas experiências e aprender.
Fiquei feliz em poder contribuir e com vontade de voltar.
Me sinto muito grata ao Universo por poder ser instrumento para transmitir essa mensagem de amor e conexão.


Danielle P. Toigo

Educadora parental, para sala de aula e para a primeira infância certificada pela PDA.
Facilitadora de Círculos de Construção de Paz

Top